sexta-feira, 12 de maio de 2017

Sem escape Cap. VII - Subtérreo

Aquela mão ossuda, através da sua aparência débil e deformada, não revelava a verdadeira força que possuía. Apertava-me o pescoço com tal intensidade que todo o meu corpo se encontrava paralisado e incapaz de lutar para escapar ao afogamento. A única coisa que conseguia fazer era olhar aquele vazio circundado pelo capuz negro da criatura e, com um emanar de energia inexplicável que sentia tocar-me a face, sentir-me observado com ódio, mas em simultâneo com regozijo por me ver a morrer sobre o seu domínio. Foi somente quando os espasmos provocados pela ausência de oxigénio começaram que me consegui libertar. Os meus pés, num movimento quase perfeito na sua sincronização, estenderam-se para diante e atingiram o que seria a zona abdominal do meu carrasco, cujo me largou de imediato e desapareceu. Os espasmos incontroláveis continuavam, e eu, nada mais era que um simples espectador, assistindo ao sofrimento do seu corpo e ao fim da sua existência.

Já quase a entrar no sono perpétuo, a minha visão suplantada e audição aniquilada, senti algo a mover o meu corpo, quase como se estivesse a ser embalado. Deixei-me levar com um sorriso imaginário nos lábios, acreditando que, após o oceano de lágrimas por mim derramadas e a infindável odisseia de sofrimento vivida, a paz estaria finalmente a exercer a sua influência sobre mim.

A velocidade do movimento do meu corpo aumentou bruscamente e senti-me a embater contra algo sólido por duas vezes e a rebolar sobre algo repetidamente, cada vez mais devagar até à imobilização. Neste mesmo instante, sobrepondo-se à satisfação pela total ausência de dor, surgiu na minha mente um flash do meu filho chamando por mim e com a mão estendida na minha direção, tal como da última vez que o tinha visto. Acordei de imediato, tossindo compulsivamente e regurgitando toda a água que havia ingerido. Após esta aflição inicial e de respirar profundamente um par de vezes, olhei em volta e vi que estava de regresso ao meu corredor e na parede que anteriormente tinha tentado destruir, estava um buraco enorme de onde gotejava profusamente. A parede não deve ter aguentado a pressão de tanta água no seu interior e cedeu, fazendo com que eu fosse cuspido contra a parede oposta. Ergui-me com a ajuda do meu braço esquerdo, vacilando um pouco a meio do movimento, mas sem perder o equilíbrio. Mal acabei de me pôr de pé, ouvi um grito proveniente da abertura na parede. Aproximei-me ainda meio entorpecido e olhei para o interior, simplesmente para no segundo seguinte, sentir o meu maxilar inferior ficar pendurado de espanto. O espaço diminuto onde tinha estado, dava agora lugar a umas escadas metálicas e ferrugentas que terminavam numa enorme porta de aço.

O som de uma violenta pancada acabou com os gritos, o que me levou a descer rapidamente as escadas e a usar todas as minhas forças para abrir aquela porta pesadíssima. “Óbvio que não estava trancada.”, pensei eu, já antecipando a chegada do meu próximo infortúnio. Cheguei ao outro lado e, ainda ruborizado do esforço, olhei em redor. Parecia um matadouro de filme de terror. Apresentava-se com um espaço amplo na minha frente e com dois corredores, um para cada um dos meus lados. A iluminação era débil, doentia e intermitente, sendo os focos de luz meras lâmpadas penduradas do teto e extremamente espaçadas, o que deixava áreas imensas na escuridão. Azulejos brancos cobriam as paredes e o chão, estando a maioria deles lascados e manchados de vermelho. A maioria dessas manchas eram mãos, adultas e de criança, marcadas a sangue e com sinais de arrasto até perder de vista. O teto parecia coberto de uma ferrugem viva, uma vez que esta parecia pulsar de tão brilhante e viscosa. O cheiro…o cheiro era nauseabundo. Cheirava a lixo, a sangue, a carne putrefacta e a vómito, tudo junto. Cheirava a morte. Não havia sinais de qualquer tipo de maquinaria ou ferramentas mas, existiam espalhadas aleatoriamente, uma infinidade de jaulas para animais, mas a julgar pelas ossadas no interior destas, não eram animais que as habitavam.

Não aguentei aquele ataque visual e olfativo e comecei a vomitar. Agachei-me e apoiei as mãos nos azulejos de parede imundos. O sabor ácido inundava-me a boca à medida que expelia líquidos. Sujei sapatos e camisola, ficando esta última com uma goma absolutamente nojenta e esverdeada devido à quantidade de bílis. Ia iniciar o meticuloso processo de a tirar sem a deixar tocar-me a cara, quando ouvi um sibilar acompanhado de um som de arrasto, cujo me levou a olhar para o corredor que se estendia à minha direita, por sinal o mais iluminado dos dois existentes. O monstro, possivelmente atraído pelo barulho que fizera ao vomitar, vinha no meu encalce. Sem pensar arranquei para o meio da obscuridade do corredor à minha esquerda.


As poucas e débeis lâmpadas exerciam a sua função de iluminação de forma muito displicente e ineficaz. A luz que providenciavam era tão fraca que mal conseguia ver onde punha os pés. Senti-me escorregar por mais que uma vez, as minhas mãos ensopadas de algo líquido e espesso que cobria o chão, não mais olhadas pela minha pessoa por não querer saber o que as revestia, os meus ombros doridos de chocar contra paredes que não conseguia descortinar no meu caminho de fuga, o meu coração prestes a explodir com tamanha descarga de adrenalina e tanto tempo a correr como se estivesse num corredor sem fim, mas no entanto, a aberração continuava perigosamente perto. As minhas pernas ameaçavam vacilar e a mão ossuda já se estendia na minha direção para me agarrar quando senti o chão a terminar debaixo dos meus pés. Caí desamparado pelo que me pareceu ser uma enorme rampa e, após guinchar de dor e praguejar uma série de palavras menos próprias, ergui-me e reparei que o meu perseguidor tinha desaparecido.

Completamente esquecido da imundície que era a minha camisola, levei a mão ao peito devido a uma picada de dor. Amaldiçoei a minha estupidez ao sentir aquela pasta asquerosa espalmar-se entre a minha mão e o meu peito. Num acesso de raiva rasguei a camisola e atirei-a ao chão em pedaços. Maldita sorte a minha, que nada corria bem. Sem camisola, o gelo que se fazia sentir no local onde estava era implacável, mas não me ia deixar vencer por tal infimidade.

Olhei em volta e encontrava-me agora numa pequena sala circular com apenas uma porta, não muito bem iluminada, mas tendo em conta a situação anterior, era deveras satisfatória. Dirigi-me à porta. Estava trancada, mas tinha uma pequena vigia que usei para espreitar o interior. Com aquilo que vi, as minhas unhas cravaram-se nas palmas das minhas mãos com a força que fiz ao cerrar os punhos. A minha mulher estava no interior e felizmente, aparentava não ter qualquer ferimento. Ela saltou na direção da porta e estendeu a sua mão direita pela abertura para me tocar a face. Segurei-lhe e beijei-a. Senti o seu cheiro e inspirei profundamente ao mesmo tempo que fechei os olhos. Ela falou e disse, “Rápido Pedro. Procura o Rafael. Ele está lá em cima.”. “Lá em cima onde Vanda? Aquilo é enorme…escuro. Não sei o que fazer.”, disse-lhe em desespero. Vi a sua mão afastar-se da minha face, com um pequeno corte ensanguentado na sua palma delicada, e os olhos esbugalharem enquanto gritava uma única palavra, “Djinn”.

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Um próximo projecto?? Digam-me vocês.

Aqueles olhos abriram-se e tudo em seu redor era preto e branco, velho, deteriorado e assustador. Olhou o seu corpo, pálido e sujo, coberto apenas por uma mera bata hospitalar. Ergueu-se e, ao mesmo tempo que apertava melhor a bata atrás das costas, os pés nus tocavam o chão gelado. O seu estado mental e físico era equivalente ao de alguém acabado de acordar de uma anestesia. Frágil, atordoada e de raciocínio entorpecido caminhou até à porta daquela divisão quadrada e só ao toque da sua mão e do seu flanco na ombreira é que se apercebeu que não fazia a mínima ideia de onde se encontrava. Em sua volta tudo era decrépito e doentio, vazio e frio, desconhecido e ameaçador. Decidiu não ficar parada e saiu do quarto, mas o exterior não se apresentava menos áspero.
Corredores enormes, largos e escassamente iluminados, estendiam-se infinitamente até a fraca luz desaparecer para dar lugar a uma escuridão que parecia ter vida. A ausência de som era ensurdecedora. A inexistência de vida, incapacitante. O seu cérebro pulsava em pânico e o coração parecia amedrontado demais para se deixar sentir. Apoiada com a mão direita na parede, seguiu a passo lento para esse mesmo lado, em busca de uma saída, em busca de alguém.
Após alguns metros viu surgir a primeira das fontes da parca luz existente e, cambaleante, aproximou-se. Era uma pequena janela que lhe revelou algo desconcertante. No exterior existia apenas neblina. Impenetrável ao olhar, a bruma era tão densa que engolia tudo, tornando belo e quase hipnotizante o mistério que encerrava. Estava fixada neste cenário quando ouviu um pequeno ruído. Deixou-se cair até ficar sentada no chão e, de costas fortemente encostadas à parede, olhava em redor procurando o responsável. “Quem…quem…alguém…está ai?”. Este era o único sussurro balbuciado que lhe saía repetidamente da boca, mas que não obtinha qualquer tipo de resposta, embora o som se continuasse a manifestar e cada vez mais alto, como que em aproximação. Levantou-se e começou a afastar-se o mais rapidamente possível na direcção daquela porta que vira enquanto perscrutava o local em busca da origem do barulho. Entrou e encostou a porta até restar apenas uma nesga que lhe permitisse espiar o corredor em segurança. No entanto, esta sensação de segurança não passou de um mero pensamento, uma vez que aquela divisão se encontrava inundada numa obscuridade tenebrosa e dentro da qual não conseguia deixar de se sentir observada e de olhar para trás.
Um enorme som de arrasto fê-la despertar e concentrar a atenção no corredor e, através daquela frincha, viu duas sombras passar. Um arrepio enorme na espinha e uma terceira sombra atravessou-a a ela e à porta, juntando-se ao par circulante. As sombras não pertenciam a pessoa alguma, mas era como se elas mesmas fossem pessoas. Embora negras, as silhuetas apresentavam traços distintos, distinguindo-as na perfeição.
Ao ver que estava a ser ignorada, abandonou o refúgio e começou a segui-las. Seguiu-as lentamente durante alguns metros até que estas, sem motivo aparente, começaram a mover-se como se estivessem a preparar-se para combater algo e logo de seguida, surgidas do nada, outras duas sombras se lançaram ao grupo com uma postura hostil, atacando-o. As duas novas intervenientes eram ferozes e assustadoras, com silhuetas de aspeto infernal e, no meio daquele quadro de guerra, pareciam estar na mó de cima, esmagando as outras três com relativa facilidade. Era como se estivesse a ver demónios a subjugarem anjos.
Som de ácido sobre um pedaço de pele, foi o que ouviu na queda do primeiro anjo e, segundos depois, na ruína do segundo. O desespero do terceiro era evidente pela sua movimentação, que lhe permitia ser o único sobrevivente de tão absurdamente rápida que era, quase como se de um raio se tratasse. Escapava como podia às garras dos seus inimigos, até que apenas um o seguiu pela escuridão dentro. O demónio que ficara para trás havia parado bruscamente e virava-se agora para a encarar. Era horrível, o mais arrepiante dos dois, a sua presença paralisante, e agora vinha na sua direcção guinchando de forma ressonante.
Pensou no estado em que estava e em como seria impossível escapar se não recuperasse totalmente as suas capacidades motoras. A tremer, fechou os olhos e cerrou os punhos, rangia os dentes e aceitava a morte, sabendo ser impossível tal recuperação milagrosa. Sentiu o frio emanado pelo demónio percorrer-lhe a pele, arrepiando-a, a respiração esbofeteá-la, fazendo esvoaçar cabelo, e as lágrimas surgirem como uma última caricia à sua face. O gelo da proximidade era tão intenso que uma lágrima gelou e se precipitou do seu queixo até ao chão onde se desfez em mil pedaços com um som que marcou o fim de tudo. O silêncio regressou e com ele tudo o resto se dissipou. Abriu os olhos e o demónio jazia atordoado junto à fronteira entre luz e escuridão, a longos metros de distância, quase como se tivesse embatido num escudo invisível que o projetara para trás.
Tinha de aproveitar ao máximo aquele episódio e o tempo que este lhe proporcionara para fugir dali. Tanto à sua retaguarda como na sua frente, o destino era um manto negro face ao desconhecido, mas um deles não tinha aquelas criaturas pela frente, fossem elas o que fossem, logo, a escolha era óbvia. Olhou para trás e começou a correr e com uma expressão de espanto em como o estava a conseguir fazer, entrou nas trevas. A expressão manteve-se quando se viu a sair do outro lado com apenas um passo e se deparou com uma sala bem iluminada apenas com um elevador. A sala era quadrada e no sítio onde deveria estar o manto negro, existia agora uma parede. Por muito estranho que tudo aquilo fosse, pelo menos sabia que não seria seguida. Dirigiu-se ao elevador e carregou no único botão existente, para subir.

As portas abriram-se e o interior era fantástico. Continuava a ser totalmente a preto e branco, mas tudo era almofadado e revestido a veludo com um número enorme de quadros de peças de teatro antigas a servirem de decoração. Até um quadro de Macbeth, por William Shakespeare, na encenação datada de 1820 na Royal House Opera lá se encontrava, imponente, ao fundo em posição de destaque. Não parou de tocar em tudo a partir do momento em que entrou. Era como se tivesse esquecido tudo o resto. As portas fecharam e o elevador começou a subir. Um andar, dois, dez, vinte. Não parava e ela não reparava. De repente, tudo se começou a desfazer como se fosse lama e toda aquela beleza deu lugar de volta ao doentio. Este ao instalar-se, trouxe consigo um cheiro fétido que a fez ajoelhar-se nauseada e a tossir. A dificuldade em se controlar aumentava e o ar era um bem cada vez mais escasso nos seus pulmões. Sem que houvesse tempo para qualquer tipo de reacção, um barulho seco tornou a subida do elevador numa queda descontrolada e o seu corpo foi projectado contra o tecto, deixando-a inconsciente.

P.S - Os meus agradecimentos ao meu amigo Luís Duarte pelo excelente trabalho na criação da imagem que aqui vos apresentei com o texto.

terça-feira, 6 de maio de 2014

The Way Of Fear: Cap. VI - Merciless Chase

Após suturar o ferimento do irmão, ambos se dirigiram para o exterior, juntando-se a Bruno, que os olhou com um ar ainda meio enjoado.

“Já está a costura feita?” – inquiriu, já sabendo a resposta.
“Tudo tratado maricas. – Bruno fungou em réplica ao adjectivo colocado à sua pessoa por Pedro, que continuou o seu discurso – “Agora temos de nos apressar em nos juntarmos aos outros. O sinal do rastreador indica que eles já se encontram a uma distância considerável, não esquecendo que aqui parados somos alvos fáceis. Apressemo-nos em direcção ao bosque. Sentidos alerta em todas as direcções” – finalizada a sentença, começou a caminhar a passo acelerado, seguido pelos restantes e sem qualquer comentário adicional.

Rapidamente e sem percalços, atingiram a orla do denso bosque. A luz da lua cheia batalhava ingloriamente por penetrar a escuridão implacável daquele cenário. As árvores impunham-se acima das suas cabeças com copas majestosas e a densidade arbórea ao nível do solo, em conjunto com uma ou outra formação rochosa, dificultavam tanto a caminhada, como a visibilidade em certas áreas onde arbustos se erguiam ao nível das cabeças. Cobrindo a retaguarda uns dos outros, iam percorrendo o caminho escabroso, aliviados por vezes por escassos e breves trilhos com que se deparavam. Os ruídos eram constantes, não provenientes da Natureza, nem de algo que reconhecessem como fazendo parte deste mundo, mas já deviam fazer algumas horas desde que essa barreira entre fictício e real se tornara pouco mais que um borrão nas suas mentes. No entanto, à excepção de um ou outro susto menor, deparam-se com uma clareira, a primeira até então, livres de qualquer perigo. Bem no meio desta, encontrava-se um pequeno helicóptero, inutilizado devido aos extensos danos a nível dos seus comandos internos.

“É provavelmente o que o Filipe pilotou até aqui com os outros, mas…hummm…a não ser que tenhamos por aí algumas criaturas muito inteligentes, eu diria que os danos foram causados propositadamente por humanos. – Ricardo apontou as zonas danificadas -  Estão nos sítios certos e a quantidade é a correcta para inutilizar o aparelho, nem a mais, nem a menos, um trabalho extremamente minucioso.” – saiu de dentro do aparelho, voltou a retirar as Uzis dos coldres e olhou os companheiros que acenavam a cabeça em concordância.
“Tu é que és o perito nessas coisas.” – mencionou Bruno.

A bala que saiu da Colt no momento seguinte e que quase ia ensurdecendo o mais alto, foi acertar na cabeça de um zombie que assomava às últimas árvores ali bem perto, fazendo-a explodir com um som repulsivo. Pedro estendeu os braços e empurrou os outros dois para trás, ao mesmo tempo que também recuava e, com Ricardo ainda a tapar o seu ouvido direito com a mão do mesmo lado. A passo lento e arrastado, começaram a surgir às dezenas e a penetrar na clareira por todas as direcções. De costas encostadas uns nos outros, iam despachando uns quantos, mas não se podiam dar ao luxo de querer matar todos, em primeiro lugar pelo risco de serem suplantados pela situação, mas também devido à munição que necessitavam preservar. O pequeno tocou o flanco direito do irmão e o esquerdo de Bruno, um a seguir ao outro, e quando se preparava para dizer fosse o que fosse, estacou. A ausência de comunicação fez com que os outros olhassem na sua direcção e vissem o que se dirigia a eles. O gigante com cabeça de pirâmide estava ali e vinha na direcção deles a passo largo. Uma palmada no ombro por parte do irmão e Pedro gritou, “Corram,corram! Norte…”. A voz perdeu-se no ar e começaram a correr, sabendo a direcção a tomar. O alto e o batoco varriam tudo o que lhes surgia pela frente com as suas armas de disparo rápido, enquanto o pequeno se livrava de alguns resistentes que atacavam dos lados. A perseguição que a aberração lhes lançara era impiedosa. Agora em corrida, aquela coisa não perdia terreno por mais que se esforçassem, espezinhando e esborrachando até os mortos vivos que se atravessavam no seu caminho. Troncos tombavam à sua passagem, outros estilhaçavam com o impacto daquele corpo maciço, até que por obra do acaso, um pedaço rasgou a noite até embater nas costas do baixinho, que caiu desamparado. Já sem zombies pela frente, o irmão deste travou bruscamente, empurrou Bruno para o lado, fazendo-o cair e alcançou Pedro no último instante possível, rebolando para a esquerda, mas não sem sentir ainda a sua perna do lado oposto, raspar a da criatura. Haviam escapado incólumes, mas o desgraçado já travara e fitava-os novamente indeciso, tendo Bruno de um lado e os irmãos a erguerem-se do outro, o bicho parecia não saber quem atacar.




“Ricardo, ele parece hesitante! Vamos aproveitar para o confundir. Vamos todos correr em direcções diferentes mas perto o suficiente de forma a mantermos o contacto visual. Não esquecer que a orientação é para Norte. Sempre Norte.” – um ligeiro sibilo e Bruno olhou naquela direcção, recebendo as instruções gestualmente e assentindo com um erguer do polegar.


“Agora”. Todos começaram a correr de forma errática, ziguezagueando, pulando por cima de obstáculos e trocando olhares de tempo a tempo para não se perderem de vista, mas o gigante avançava agora somente a passo, calma e descontraidamente, como se estivesse seguro de que eles não escapavam. Nada os podia preparar para o que iria acontecer em seguida.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Sonhar acordado

Os olhos de P. focaram-se na vela da sua secretária e foi como se o tempo parasse. O balouçar da caravela havia-o levado para um mundo à parte, o mundo em que sonhava acordado. Via-se a chegar ao próximo porto, todos os comerciantes a chamarem-no de “adorado capitão”, a tratarem-no como sempre faziam, como se de família se tratasse e de repente, algo o fez parar, algo diferente, algo que nunca tinha visto, mas que lhe provocava uma sensação maravilhosa, a melhor que alguma vez sentira. Ao fundo do passadiço de madeira, uma…”CAPITÃO”…aquele grito acordou-o para a realidade e saiu da sua cabina de forma célere, mas irritado por ter sido interrompido na parte em que se preparava para descobrir tão encantadora inspiração.

“Que se passa L. ?”, bradou ao marinheiro à sua frente, que se mostrava completamente apavorado.
“Capitão, olhe!”, disse em voz trémula e apontando na direcção de terra.

Os seus olhos seguiram o movimento daquele braço e focaram-se na direcção do dedo estendido, inundando-se de uma luz laranja aterradora. O porto estava a ser atacado por dois navios de salteadores e não havia estrutura que não se encontrasse em chamas. Os gritos eram cada vez mais audíveis e o terror neles implícito era aquele dos piores pesadelos.

“Prepara todos para o confronto.”, disse de forma decidida. “O quê meu capitão? Não devemos…”, “Cala-te e faz como te digo, não podemos deixar estas pessoa sofrer tão terrível destino. Apressa-te. O tempo urge.”.

O marinheiro desatou a correr na direcção dos outros homens e P. perdeu-se novamente em pensamentos. Apoiou as mãos no corrimão de madeira brilhante e trabalhada que rodeava o seu navio e fechou os olhos, baixando o semblante. O seu chapéu ornamentado com uma pena de cor azul voou no sentido do porto até se perder nas águas do oceano infinito, não merecendo a atenção do seu dono, nem sequer um último olhar. O suor corria-lhe pelas fontes, pingava-lhe suavemente as mãos, gotejava ao ritmo do batimento cardíaco que batalhava por acalmar sem sucesso, as pernas tremiam com o pensamento de que tanto lhe faltava na vida para que se sentisse completo, realizado, feliz. Seria de esperar que aquela alta patente, todo o reconhecimento e respeito, o preenchessem de alguma forma, mas não era suficiente, nem sequer perto disso. Os dedos encresparam na madeira com a ideia de proximidade com a morte, mas não podia abandonar aquela gente que sempre o tratara tão bem, não podia desprezar tanto carinho e bondade. Pelo menos morreria a lutar, morreria de forma altruísta e assim seria lembrado, e isso, isso já o deixava feliz, já o deixava a sentir-se útil.
O som das velas, um som que tanto adorava, alertou-o para a movimentação de abordagem ao porto e também ele se preparou para o confronto. Era como se a espada no seu flanco esquerdo e a pistola no direito, se fundissem com ele e se tornassem um só. Sentia a adrenalina correr-lhe nas artérias, fazendo-lhe fervilhar o sangue, mas simultaneamente permitindo-lhe um nível de concentração que lhe consentia isolar-se de tudo o resto, até de todo o ruído, que lhe parecia cada vez mais distante e imperceptível.
Sem demoras e confiando que os seus treinos seriam suficientes para que os seus homens não necessitassem da sua presença, saltou do navio de pistola em punho e disparou dois tiros certeiros durante a queda, cujos acertaram na nuca de dois salteadores que espancavam um grupo de mulheres. Ajudou-as a erguerem-se e com um gesto de cabeça ordenou-lhes que saíssem dali, ao que elas acederam de imediato após uma pequena vénia de agradecimento. O seu sonho inicial estava longe daquela realidade e a sua tristeza era cada vez maior, mas tinha de continuar, não podia perder a concentração.
Correu que nem um desvairado até à praça central, onde todas as modestas bancadas de madeira, encimadas por montes de palha para sombra, tinham deixado de existir para darem lugar a montes de cinza e, a igreja que as vigiava e protegia, não passava de uma gigante pira.
Estacou e olhou em redor. À sua direita, um grupo de bandidos corria na direcção de um beco, perseguindo alguém e ele seguiu o mesmo caminho. Perdeu-os por momentos quando estes entraram no beco, mas não demorou a reencontra-los, desta vez a escalarem a fachada de um dos edifícios em busca da presa. Apressou-se a fazer o mesmo e atingiu o telhado praticamente em simultâneo com os malditos ladrões. Gritou e postou-se no meio dos quatro que o olharam embasbacados. Estrebucharam algo numa língua que desconhecia, gargalharam e atacaram.
Mergulhou para a frente, escapando por pouco a uma espada que lhe zuniu por baixo dos pés e a uma outra por cima da cabeça, que lhe deixou uma madeixa de cabelo a menos. Após uma cambalhota, ergueu-se e encarou todos de frente. O mais próximo caiu repentinamente com um movimento impetuoso da sua ágil lâmina, que lhe perfurou o abdómen, provocando um passo à retaguarda dos restantes, agora já mais medidos. Pensou em pegar na arma de fogo, mas ao se aperceberem desse gesto, o trio atacou. Bloqueou o ataque do primeiro com um movimento ascendente da espada, o segundo com um esticão descendente e por fim, com um movimento lateral do corpo, desviou-se do terceiro, cujo rasteirou, jogando-o por terra e arrancando algumas telhas. Tomou a iniciativa e atacou os que estavam de pé, pontapeando o primeiro no estômago e abrindo o pescoço ao outro, que caiu abruptamente. Ofegante e agarrado à barriga, o outro malandro nem soube o que lhe aconteceu, até se ver a cair de cabeça ao encontro de um duro chão de pedra.
Deu a si próprio um mero segundo para respirar, mas havia-se esquecido do rasteirado. Engoliu em seco e rodou sobre si próprio para tentar corrigir o seu erro idiota, mas era tarde. O tipo abalroou-o para fora do telhado, mas ainda conseguiu agarrar-se ao rebordo para não cair. Segurou-se só com uma e levou a mão à pistola, mas esta não estava lá. Havia caído durante o ataque e agora estava condenado. O bandido forçava-lhe as mãos para fora da orla, pisava-lhas e pontapeava-lhe a face constantemente. As dores começavam a ser insuportáveis, as forças a abandonarem-lhe o corpo e a sua mente já só pensava em desistir, soltar-se, evitar mais sofrimento e dor, até que se ouviu um tiro e o corpo do salteador caiu do telhado já sem vida. Arregalou os olhos quando viu uma rapariga estender-lhe a mão e ficou preso no seu olhar carinhoso. Conseguiu subir e ficou caído com a cabeça perto do pescoço dela. O cheiro era de tal forma agradável que pensou em nunca mais dali sair, até que ouviu a voz suave dizer-lhe “Obrigado”. Olhou-a novamente e respondeu, “Eu é que agradeço, salvaste-me a vida. Posso saber o teu nome?”
Um barulho estridente e horrível acordou-o de sobressalto e viu-se em frente ao seu computador com o telemóvel a tocar. Ignorou a chamada. Tinha adormecido a olhar para o seu candeeiro de secretária e a pensar na vida. Voltou a pensar no sonho que tivera e naquela rapariga, no seu olhar, no seu cheiro. Fechou os olhos e voltou a vê-la, voltou a ver aquilo que queria, que lhe fazia falta, aquela companhia, aquela presença e, sentiu-se bem pela primeira vez em muito tempo. Ao reabrir os olhos, parou de respirar. Afinal de contas, tudo tinha sido um sonho, mas ela não. 

Ele conhecia-a, ela era real e ele sabia perfeitamente o nome dela.

domingo, 26 de maio de 2013

Nada mais importa...

Chegaste...e a minha vida ganhou luz...
Pintaste de azul o meu céu, cinzento e conturbado
Curas-me com o som da tua voz
E levas embora tudo o que dói
Enfeitiças-me mais a cada dia que passa e eu...
Mesmo sem estares por perto
Vivo com a tua imagem na minha mente...
No meu coração
Sinto-me
Tão bem...

Seguras-me sem mãos e...
Mesmo ao longe
Ajudas-me a erguer
Dás-me esperança...coragem...
Para enfrentar tudo e todos
Algo que hoje, com toda a sinceridade...
Mais ninguém é capaz

Para onde fores
Estarei ao teu lado
Todas as palavras que profiras
Eu estarei para ouvir
Cada vez que rezes eu serei...
Aquele que te responde
Nada mais importa...


P.S - São 5h da manhã e consegui fazer isto só por ti ( ML).




segunda-feira, 13 de maio de 2013

The unknown reveals

Tanta dúvida, incerteza, confusão e tristeza. A forma rude como todas me corroíam por dentro. As ofensas que me teciam, cujas já havia tecido a mim próprio antes sequer de lhes ter dado voz. 

Pensava, por períodos de tempo demasiado extensos, perdendo a noção de tudo em meu redor. Não ouvia, não via, não respirava, mas no fim, devolvendo a vida ao corpo, reparava que havia dado apenas um ou dois míseros passos. 

Perdido, procurava desesperadamente o meu caminho, mas, o meu coração era o único soldado desse exército de busca. Todo o resto me grudava ao chão, me relembrava do passado, me chamava de fraco, afogando-me num medo atroz. 

Encontrava-me encolhido a um cantinho...só meu, só para mim, como um bebé no ventre da sua mãe, mas o meu coração ainda me permitia olhar para cima, ainda me dava essa força.

Durou muito pouco tempo até que visse a luz e uma mão que, saindo de dentro dela, se estendeu na minha direcção e me arrancou da escuridão.

Enquanto recuperava a visão, tive a certeza de tudo o que sentia. Nada me consome, mas sim me alimenta, não me aniquila, dá-me força de viver, dá-me ar fresco para respirar. 

Pisco então os olhos pela última vez e já vejo tudo...a luz dos teus olhos, que me salvam a cada cruzar, e o toque da tua mão, que faz do meu coração o Rei. 

O desconhecido deixou de o ser, para dar lugar a uma certeza...aquilo que significas para mim.

domingo, 5 de maio de 2013

Unknown


Atraído, como por magia
a minha alma voou até à tua
ou será que, talvez,
…a tua voou até à minha?

Não posso saber
Não consigo compreender
Como aconteceu, nem quando…
Viver este sentimento
Consome-me, aniquila-me
Sinto-me afogar

Não consigo respirar, pois
O meu mais ínfimo suspiro
Já não é apenas meu
Já não é singular
Deixou de ser possuído
Tornando-se livre
Permitindo o toque de duas almas
Como pode isto ser?

Aquilo que não entendo…
Como esses olhos mágicos
São o novo latejo
Direcionado ao meu coração